quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Fundação da A.E.A. - Geraldo da Costa e Silva

                
Com Ernesto Castro Kohl e Carlos Alberto 
de Almeida Normanha, inauguramos a Clínica Infantil Araçatuba em 20/3/1971. Vindo de Ribeirão Preto e apaixonado por futebol, lá, após concluídas as atividades hospitalares vespertinas, assistia até aos treinos coletivos do Botafogo, com os colegas Betão, João Luís, Aer, Caretão, Guidio e Nassin. Aqui o futebol profissional estava em baixa. Existia o Araçatuba F.C., treinado por Aimoré Chiquito Ortega, que dispunha de raros jogadores de nível: Divalter, Dida e Luizinho. Assim, programava minhas atividades profissionais de modo a reservar um fim de semana de cada mês para namorar e ver o Botafogo, em Ribeirão.
               Conhecendo o Aimoré, a amizade foi imediata, pelas afinidades futebolísticas. No fim do 
ano o Araçatuba F.C. foi desativado e em 1972 o time amador do Frigorífico T. Maia foi profissionalizado, sob a coordenação de Degrossi, Jovino Cadamuro e Luizão, auxiliados pelo prestativo Ari, que gerenciava a república dos atletas. Formavam a comissão técnica, Aimoré, treinador, José Carlos Magalhães e José dos Santos Primo, preparadores físicos. Fomos convidados para compor a diretoria José Pedro Souto Aires, César Bombarda, Marcondes e eu. O E.C T. Maia disputou o campeonato paulista da segunda divisão em 1972 
com um time razoável, pois o Aimoré buscou Mão de Onça, Almeida, Cido, Sobral, Niltinho, João Carlos e 
Periquito, juntando-os a Carlos Albanesi, Quinha, Orlandinho, Pingo, Divalter e Luizinho. No final do 
ano a administração do frigorífico decidiu encerrar as atividades profissionais do clube e todos os jogadores foram dispensados. O grupo todo procurou o Aimoré 
em sua casa e a ele entregou seus atestados liberatórios, colocando nas mãos dele os seus 
destinos. Queriam jogar, de preferência em Araçatuba. O Aimoré ficou sensibilizado, procurou-me e 
resolvemos fundar um novo clube. Articulamos com José Pedro, Juraci Violato e César Bombarda uma reunião que aconteceu na sede do E.C. Corinthians a 15/12/1972.
            
A ata desta reunião está perdida. Compareceram mais de trinta esportistas, entre os quais o Dr. Habib Nadra Ghaname, Dr. Hélio Augusto Mitidieri, Dr. Ernesto Castro Kohl, Hélio Pereira de Souza, César Bombarda, Eliseu Fernandes, Jovino Cadamuro, José Pedro Souto Aires, Waldemar Cachorro, Ricardo Fernandes, 
Osvaldo Passareli... Da pauta constaram três 
assuntos: fundação da nova agremiação, denominação e eleição da diretoria. A fundação foi definida rapidamente, por unanimidade. A escolha do nome 
do novo clube foi muito debatida e trabalhosa. Houve várias propostas, entre elas Operário F.C., Comercial F.C., Sociedade Esportiva Araçatuba, Associação Esportiva Araçatuba, apresentada pelo Dr. Ernesto Castro Kohl. Waldemar Cachorro queria Comercial 
F.C., clube amador já de alguma tradição e de que era presidente. Argumentou sobre a vantagem de ter registro amador na Federação Paulista de Futebol e percebi claramente ter conseguido pelo menos oito adeptos. Operário F.C. tinha cinco votos manifestos, outras denominações dois, três votos e S.E. Araçatuba e A.E. Araçatuba dividiam preferências. Coordenando o debate, contabilizei os votos e percebi que ia dar Comercial. Então fiz a proposta estratégica de 
polarizar entre dois nomes, retirando Operário, com menor apelo, e como S.E. Araçatuba e A.E. Araçatuba eram muito semelhantes, ficar com um deles para disputar com Comercial. Aceita a proposição e 
escolhida A.E.A., por ser uma sigla mais chamativa e charmosa, fomos para a votação final. Eu falava baixinho para os amigos da mesa: - Se der Comercial, estou fora disso. Como poderia eu, sócio do Botafogo F.C. desde 1959, proprietário de cadeira cativa no Estádio Santa Cruz, ser um dos fundadores do Comercial, o Bafo de Araçatuba?
            Deu A.E.A, pela sigla e pela ostentação do nome da cidade. Voltei para casa feliz e presidente. 
Por aclamação fui eleito com José Pedro Souto Aires vice-presidente. Osvaldo Passareli foi escolhido para presidir o Conselho Deliberativo. Era 15 de dezembro 
de 1972. O mano Zacheu e sua esposa Marisa 
faziam-nos sua primeira visita. Entenderam minha ausência de duas horas para participar da reunião inadiável. Nos dias seguintes completamos o quadro 
de dirigentes: Vandervino dos Santos, o Vando, tesoureiro; Eliseu Fernandes (hoje desembargador em Rondônia), secretário; César Bombarda e Juraci 
Violato, diretores de futebol; Jovino Cadamuro, diretor do departamento amador; Dr. Habib Nadra Ghaname, diretor do departamento jurídico; Dr. José Carlos 
Ramos Rodrigues, diretor  do departamento médico.

           Assim mantivemos em Araçatuba os talentos 
de João Carlos e Periquito. Nem de material esportivo dispúnhamos para iniciar os treinamentos. 
Humildemente fomos eu e Aimoré ao frigorífico 
solicitar a doação do velho material do E.C. T.Maia. Ganhamos chuteiras usadas, bolas e meias furadas e fomos tratados com desdém por Ug M. Barbosa. Como o estádio municipal apresentasse gramado, vestiários e acomodações em mau estado de conservação e não fosse iluminado, organizamos uma comissão e solicitamos audiência a Waldir Felizola de Moraes, prefeito eleito e ainda não empossado, que nos 
recebeu em sua casa. Além dos diretores, estiveram presentes os militantes da imprensa esportiva Mituo Ishi, Levi Silva, Eduardo Dias, Heleno de Souza. Ao prefeito solicitamos reparos e iluminação do estádio, mais custeio do material esportivo por três meses, até que o clube adquirisse vida própria. Ele respondeu de modo direto: "Eu detesto futebol. Gostaria de colocar uns bois pastando naquele gramado. Se nada prometi para ser eleito, agora que sou prefeito é que nada prometo mesmo. Por que vocês, em vez de futebol, 
não vão cuidar das suas vidas?"

            Cada qual continuou cuidando da sua, naturalmente. A postura insensível e sincera do 
prefeito não arrefeceu nosso ânimo. Estávamos determinados, conhecíamos o valor do material 
humano disponível e, principalmente, sabíamos da nossa capacidade de trabalho, do nosso conhecimento da área e dos nossos limites. O povo levou fé na 
nossa empreitada. Apareceram muitos voluntários 
para a arquitetura de um corpo associativo. Dois deles tiveram grande destaque: Roberto Aoki e Durval. 
O Dr. Paulo Bombonati cedeu ao clube uma casa de 
sua propriedade, à rua Tabajaras, para a montagem 
da república dos atletas, que rapidamente se concretizou pela doação de móveis e utensílios por amigos e torcedores.

            Assim começou. Lá se vão quarenta e cinco anos. Bons e maus momentos, glórias, muitas histórias. Umas bem sabidas, outras bem sofridas, algumas nebulosas e obscuras. Guardo e conto lances da construção. Da degenaração tem mais gente pra 
contar.

***

Dr. Geraldo da Costa e Silva e o seu livro de crônicas sobre futebol

A.E.A.: registro e primeiros tempos


            Fundado o clube, tratamos de montar o time. O zagueiro Almeida, oriundo dos juniores do Palmeiras, indicou alguns amigos cujas idades estavam estourando para a categoria, provavelmente liberados pelo verdão. Aimoré foi à capital e trouxe o goleiro Álvaro e o ponta-esquerda Daércio. Da várzea paulistana teve informações e buscou o excelente volante Luís Valentim. Do futebol amador da cidade garimpamos Bauer e depois Sérgio Luís. Em Andradina buscamos o Marreta (Elói) e fizemos vir de Mineiros, Goiás, o ponta-direita Arnaldo. Depois foram chegando Tuta (Junqueirópolis), Anselmo (Prata City), Betinho (Pereira Barreto), Vicentinho (Pacaembu)... Juntados aos remanescentes do E.C. T. Maia (Quinha, Almeida, Cido, Orlandinho, Claércio, Sobral, João Carlos, Periquito e Luizinho), estava composto o elenco-base. Os contratos, numerados, assinados pela moçada foram levados pelo Eliseu Fernandes (hoje desembargador em Rondônia) para registro na Federação Paulista de Futebol e recusados: a entidade, então presidida pelo folclórico João Mendonça Falcão, não aceitava registrar como profissional um clube recém-filiado, que sequer disputara um campeonato amador. Os contratos assinados tinham prazo de validade para registro, controlados pelo número e pela data, maneira de combater os perversos contratos-de-gaveta. Assim, tivemos que refazer todos. Sucessivamente o Eliseu fez mais três tentativas junto aos cartolas federativos, sem sucesso. Nossos jogadores não tinham até então, portanto, qualquer vínculo com o clube, embora disso não soubessem. Os amistosos iam realçando as qualidades deles e o assédio de outros clubes veio em crescente. Procuramos a ajuda do deputado estadual Jorge Maluly Neto. Passamos, eu e Aimoré, um dia na Assembleia Legislativa, ele tocando seu expediente e mantendo contatos com outros parlamentares ligados ao esporte, como Ari Silva, colunista do jornal Gazeta Esportiva. No fim da tarde fomos com ele e Wadih Helu, ex-presidente do Corinthians, para a sede da Federação Paulista de Futebol, onde nos recebeu Américo Egídio Pereira, o vice de Falcão. Wadih Helu soltou o verbo exigindo a inclusão da AEA no torneio seletivo que classificaria dois clubes para a disputa do Campeonato Paulista da Divisão Especial (hoje A1). Foi dizendo que Araçatuba era uma grande cidade, com um belo estádio. O senhor Américo humildemente ia concordando, até perguntar-me qual tinha sido nossa classificação no campeonato anterior da Primeira Divisão (A2). Respondendo que não havíamos participado e sim o T. Maia, a casa caiu. Riu gostosamente, pois pedíamos o impossível. Com mais um pouco de conversa dos dois deputados, prometeu registrar nossos contratos na semana seguinte, garantindo vaga para s disputa da Primeira Divisão. Exatamente o que queríamos.
            Veio o campeonato, o time crescendo, dando espetáculos cada vez melhores no Estádio Ademar de Barros, para público e quadro associativo cada vez maiores. A história todo mundo sabe. Durante o certame perdemos apenas um jogo em Garça (3x1), jogando com dez elementos desde o início da partida. O triangular final, com o Rio Claro e o Catanduva, foi dramático e a 15/12/1973, exatamente no dia do seu primeiro aniversário, a AEA sagrava-se Campeã Paulista da Primeira Divisão.
            O vice-prefeito Dr. Oscar Luís Gurjão Cotrim tornou-se grande incentivador da rapaziada. Ia ao vesti rio nos dias de jogos, assistia a todos. At‚ o prefeito Waldir Felizola de Moraes, que detestava futebol, passou a marcar presença, procurando aparecer junto aos atletas. Quando ganhamos o campeonato a cidade vibrou, muita gente prontificou-se em colaborar para a consolidação do clube. O deputado Maluly Neto descolou verba do governo estadual para a iluminação do estádio. O processo seguiu o cronograma da Secretaria dos Esportes, a obra tornou-se realidade e depois dos testes de praxe a inauguração foi marcada para 30/10/1974. Por contrato direto com o presidente Vicente Mateus, acertamos jogo festivo com o Corinthians: CR$ 60.000,00 mais CR$ 24.000,00 pelo fretamento de avião especial, mais despesas de hotel e alimentação para a delegação. Os ingressos foram colocados à venda: CR$ 50,00 as numeradas e CR$ 20,00 as demais acomodações do estádio. A procura era grande quando o prefeito fez intervenção. Unilateralmente, sem diálogo, decretou preço único: CR$ 10,00 (dez cruzeiros). Pelo rádio dizia que o estádio era municipal, que ele tinha o poder de estabelecer o preço dos ingressos: "Sou o gerente da cidade e meu povo tem que ver o jogo" . Lembrava uma antiga música de carnaval, que falava do pedreiro Valdemar, construtor de casas e palacetes onde depois não podia entrar. Convocou-me à prefeitura, fiz-lhe as projeções demonstrativas de que sua determinação inviabilizava o evento, pelos custos, além do risco de chover. Ele manteve-se inflexível: o poder de mando era seu e palavra de prefeito não voltava atrás. Também não cedi. Na busca de respaldo e segurança, reunimos os diretores e telefonamos para Vicente Mateus, consultando-o sobre a possibilidade de cancelamento do jogo, sem multa contratual. Daquele jeito peculiar, respondeu: "É um favor que me fazem. O técnico Sílvio Pirilo ficou uma fera com a marcação deste amistoso". Com isso firmamos posição. Antes de propor ao prefeito o cancelamento, péssimo para o clube e desastroso para ele, ofereci-lhe a alternativa de fazer o jogo de portões abertos para o "seu povo", assumindo a prefeitura o contrato com o Corinthians e pagando CR$ 20.000,00 à AEA. Recusada a oferta, anunciei-lhe então a suspensão da partida: ele que inaugurasse os refletores quando, como e com quem quisesse. E fui-me. O assunto ferveu na imprensa. O Waldir, no seu estilo, esbravejou pelo rádio e eu ouvindo no meu receptor: "Esse moço aqui chegou há  pouco tempo, mal bebeu da água do Baguaçu e quer mandar na cidade. Aqui tem gerente. Ele que se vá embora".
            Fiquei. E, com a diretoria, firme no propósito assumido. Então o Dr. Cotrim entrou nas negociações, com seu amor pelo esporte e seu tino diplomático. Ia à prefeitura e vinha ao meu consultório. Eu radicalizando, mas ansioso para realizar o jogo. Fiz então uma proposta. Para que a palavra do prefeito prevalecesse, haveria, sim, ingressos de CR$ 10,00. Deveriam ser construídas duas muretas na arquibancada do lado do ginásio de esportes, delimitando entre elas metade do espaço central, onde o espectador pagaria CR$ 30,00 pelo ingresso; nos dois espaços laterais o preço seria CR$ 10,00. Para manutenção da ordem e prevenção de invasões as muretas seriam guarnecidas por atiradores do tiro de guerra. Assim o jogo aconteceu, um belo espetáculo, 2x2 no placar e as muretas ainda hoje lá estão. O lucro líquido para a AEA correspondeu a cinco folhas mensais de pagamento, apesar de o prefeito, com quem depois tive convivência pacífica e cordial, e que sempre respeitei pela honestidade na gestão administrativa, ter dado o seu revide: distribuiu centenas de ingressos gratuitos.
            A expectativa pelo jogo foi demais, na cidade e região, não só pelo imbróglio, mas pela presença do Corinthians. A chegada do timão levou muita gente ao aeroporto. Vicente Mateus veio comigo no Karman Ghia TC azul e chegamos à frente. A delegação veio de ônibus e do apartamento do presidente observávamos uma multidão cercando o ônibus na frente do Hotel Chamonix. Os jogadores iam entrando e lá de cima eu assistindo torcedores subindo e afundando o teto do meu carro novo, para melhor visão de seus ídolos.
            No jogo, Daércio deu um baile em Zé Maria, titular da seleção brasileira. Vicente Mateus, vendo o jogo comigo, ficou deslumbrado, quis comprar seu passe antes do fim da partida. Sugeri conversarmos durante o jantar, na Churrascaria Gaúcha. Lá  acertamos o negócio: CR$ 50.000,00 mais um novo jogo do Corinthians em Araçatuba. Conversei muito com o folclórico dirigente, pessoa boníssima e de simplicidade cativante. Perguntei-lhe : - Como o senhor administra o Corinthians? Ele respondeu: "Simplesmente. Qualquer diretor que fizer gasto maior que CR$ 100,00, sem meu consentimento, paga a conta". Findo o jantar, Vicente Mateus, então com 70 anos, quis ir ás mulheres. Uma caravana seguiu para o trevo. Eu levando-o no Karman Ghia. Entramos numa casa, ele engraçou-se com uma loira de estatura bem superior à sua. Despedi-me e fui para casa. Imagine um pediatra casado, em início de carreira, brigando com o prefeito, dando banda na zona com Vicente Mateus!

*Geraldo da Costa e Silva é médico, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras


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