de Almeida Normanha, inauguramos a Clínica Infantil Araçatuba em
20/3/1971. Vindo de Ribeirão Preto e apaixonado por futebol, lá, após
concluídas as atividades hospitalares vespertinas, assistia até aos treinos
coletivos do Botafogo, com os colegas Betão, João Luís, Aer, Caretão, Guidio e
Nassin. Aqui o futebol profissional estava em baixa. Existia o Araçatuba F.C.,
treinado por Aimoré Chiquito Ortega, que dispunha de raros jogadores de nível:
Divalter, Dida e Luizinho. Assim, programava minhas atividades profissionais de
modo a reservar um fim de semana de cada mês para namorar e ver o Botafogo, em
Ribeirão.
Conhecendo o Aimoré, a amizade
foi imediata, pelas afinidades futebolísticas. No fim do
ano o Araçatuba F.C.
foi desativado e em 1972 o time amador do Frigorífico T. Maia foi
profissionalizado, sob a coordenação de Degrossi, Jovino Cadamuro e Luizão,
auxiliados pelo prestativo Ari, que gerenciava a república dos atletas.
Formavam a comissão técnica, Aimoré, treinador, José Carlos Magalhães e José
dos Santos Primo, preparadores físicos. Fomos convidados para compor a
diretoria José Pedro Souto Aires, César Bombarda, Marcondes e eu. O E.C T. Maia
disputou o campeonato paulista da segunda divisão em 1972
com um time razoável,
pois o Aimoré buscou Mão de Onça, Almeida, Cido, Sobral, Niltinho, João Carlos
e
Periquito, juntando-os a Carlos Albanesi, Quinha, Orlandinho, Pingo, Divalter
e Luizinho. No final do
ano a administração do frigorífico decidiu encerrar as
atividades profissionais do clube e todos os jogadores foram dispensados. O
grupo todo procurou o Aimoré
em sua casa e a ele entregou seus atestados
liberatórios, colocando nas mãos dele os seus
destinos. Queriam jogar, de
preferência em Araçatuba. O Aimoré ficou sensibilizado, procurou-me e
resolvemos fundar um novo clube. Articulamos com José Pedro, Juraci Violato e
César Bombarda uma reunião que aconteceu na sede do E.C. Corinthians a
15/12/1972.
A ata desta reunião está perdida.
Compareceram mais de trinta esportistas, entre os quais o Dr. Habib Nadra
Ghaname, Dr. Hélio Augusto Mitidieri, Dr. Ernesto Castro Kohl, Hélio Pereira de
Souza, César Bombarda, Eliseu Fernandes, Jovino Cadamuro, José Pedro Souto
Aires, Waldemar Cachorro, Ricardo Fernandes,
Osvaldo Passareli... Da pauta
constaram três
assuntos: fundação da nova agremiação, denominação e eleição da
diretoria. A fundação foi definida rapidamente, por unanimidade. A escolha do
nome
do novo clube foi muito debatida e trabalhosa. Houve várias propostas, entre
elas Operário F.C., Comercial F.C., Sociedade Esportiva Araçatuba, Associação
Esportiva Araçatuba, apresentada pelo Dr. Ernesto Castro Kohl. Waldemar
Cachorro queria Comercial
F.C., clube amador já de alguma tradição e de que era
presidente. Argumentou sobre a vantagem de ter registro amador na Federação
Paulista de Futebol e percebi claramente ter conseguido pelo menos oito
adeptos. Operário F.C. tinha cinco votos manifestos, outras denominações dois,
três votos e S.E. Araçatuba e A.E. Araçatuba dividiam preferências. Coordenando
o debate, contabilizei os votos e percebi que ia dar Comercial. Então fiz a
proposta estratégica de
polarizar entre dois nomes, retirando Operário, com
menor apelo, e como S.E. Araçatuba e A.E. Araçatuba eram muito semelhantes,
ficar com um deles para disputar com Comercial. Aceita a proposição e
escolhida
A.E.A., por ser uma sigla mais chamativa e charmosa, fomos para a votação
final. Eu falava baixinho para os amigos da mesa: - Se der Comercial, estou
fora disso. Como poderia eu, sócio do Botafogo F.C. desde 1959, proprietário de
cadeira cativa no Estádio Santa Cruz, ser um dos fundadores do Comercial, o
Bafo de Araçatuba?
Deu A.E.A, pela sigla e pela
ostentação do nome da cidade. Voltei para casa feliz e presidente.
Por
aclamação fui eleito com José Pedro Souto Aires vice-presidente. Osvaldo
Passareli foi escolhido para presidir o Conselho Deliberativo. Era 15 de
dezembro
de 1972. O mano Zacheu e sua esposa Marisa
faziam-nos sua primeira
visita. Entenderam minha ausência de duas horas para participar da reunião
inadiável. Nos dias seguintes completamos o quadro
de dirigentes: Vandervino
dos Santos, o Vando, tesoureiro; Eliseu Fernandes (hoje desembargador em
Rondônia), secretário; César Bombarda e Juraci
Violato, diretores de futebol;
Jovino Cadamuro, diretor do departamento amador; Dr. Habib Nadra Ghaname,
diretor do departamento jurídico; Dr. José Carlos
Ramos Rodrigues, diretor do departamento médico.
Assim mantivemos em Araçatuba os
talentos
de João Carlos e Periquito. Nem de material esportivo dispúnhamos para
iniciar os treinamentos.
Humildemente fomos eu e Aimoré ao frigorífico
solicitar a doação do velho material do E.C. T.Maia. Ganhamos chuteiras usadas,
bolas e meias furadas e fomos tratados com desdém por Ug M. Barbosa. Como o
estádio municipal apresentasse gramado, vestiários e acomodações em mau estado
de conservação e não fosse iluminado, organizamos uma comissão e solicitamos
audiência a Waldir Felizola de Moraes, prefeito eleito e ainda não empossado,
que nos
recebeu em sua casa. Além dos diretores, estiveram presentes os
militantes da imprensa esportiva Mituo Ishi, Levi Silva, Eduardo Dias, Heleno
de Souza. Ao prefeito solicitamos reparos e iluminação do estádio, mais custeio
do material esportivo por três meses, até que o clube adquirisse vida própria.
Ele respondeu de modo direto: "Eu detesto futebol. Gostaria de colocar uns
bois pastando naquele gramado. Se nada prometi para ser eleito, agora que sou
prefeito é que nada prometo mesmo. Por que vocês, em vez de futebol,
não vão
cuidar das suas vidas?"
Cada qual continuou cuidando da
sua, naturalmente. A postura insensível e sincera do
prefeito não arrefeceu
nosso ânimo. Estávamos determinados, conhecíamos o valor do material
humano
disponível e, principalmente, sabíamos da nossa capacidade de trabalho, do
nosso conhecimento da área e dos nossos limites. O povo levou fé na
nossa
empreitada. Apareceram muitos voluntários
para a arquitetura de um corpo
associativo. Dois deles tiveram grande destaque: Roberto Aoki e Durval.
O Dr.
Paulo Bombonati cedeu ao clube uma casa de
sua propriedade, à rua Tabajaras,
para a montagem
da república dos atletas, que rapidamente se concretizou pela
doação de móveis e utensílios por amigos e torcedores.
Assim começou. Lá se vão quarenta e
cinco anos. Bons e maus momentos, glórias, muitas histórias. Umas bem sabidas,
outras bem sofridas, algumas nebulosas e obscuras. Guardo e conto lances da
construção. Da degenaração tem mais gente pra
contar.
***
Dr. Geraldo da Costa e Silva e o seu livro de crônicas sobre futebol |
A.E.A.: registro e
primeiros tempos
Fundado o clube, tratamos de montar
o time. O zagueiro Almeida, oriundo dos juniores do Palmeiras, indicou alguns
amigos cujas idades estavam estourando para a categoria, provavelmente
liberados pelo verdão. Aimoré foi à capital e trouxe o goleiro Álvaro e o
ponta-esquerda Daércio. Da várzea paulistana teve informações e buscou o
excelente volante Luís Valentim. Do futebol amador da cidade garimpamos Bauer e
depois Sérgio Luís. Em Andradina buscamos o Marreta (Elói) e fizemos vir de
Mineiros, Goiás, o ponta-direita Arnaldo. Depois foram chegando Tuta
(Junqueirópolis), Anselmo (Prata City), Betinho (Pereira Barreto), Vicentinho
(Pacaembu)... Juntados aos remanescentes do E.C. T. Maia (Quinha, Almeida,
Cido, Orlandinho, Claércio, Sobral, João Carlos, Periquito e Luizinho), estava
composto o elenco-base. Os contratos, numerados, assinados pela moçada foram
levados pelo Eliseu Fernandes (hoje desembargador em Rondônia) para registro na
Federação Paulista de Futebol e recusados: a entidade, então presidida pelo
folclórico João Mendonça Falcão, não aceitava registrar como profissional um
clube recém-filiado, que sequer disputara um campeonato amador. Os contratos
assinados tinham prazo de validade para registro, controlados pelo número e
pela data, maneira de combater os perversos contratos-de-gaveta. Assim, tivemos
que refazer todos. Sucessivamente o Eliseu fez mais três tentativas junto aos
cartolas federativos, sem sucesso. Nossos jogadores não tinham até então,
portanto, qualquer vínculo com o clube, embora disso não soubessem. Os
amistosos iam realçando as qualidades deles e o assédio de outros clubes veio
em crescente. Procuramos a ajuda do deputado estadual Jorge Maluly Neto.
Passamos, eu e Aimoré, um dia na Assembleia Legislativa, ele tocando seu expediente
e mantendo contatos com outros parlamentares ligados ao esporte, como Ari
Silva, colunista do jornal Gazeta Esportiva. No fim da tarde fomos com ele e
Wadih Helu, ex-presidente do Corinthians, para a sede da Federação Paulista de
Futebol, onde nos recebeu Américo Egídio Pereira, o vice de Falcão. Wadih Helu
soltou o verbo exigindo a inclusão da AEA no torneio seletivo que classificaria
dois clubes para a disputa do Campeonato Paulista da Divisão Especial (hoje
A1). Foi dizendo que Araçatuba era uma grande cidade, com um belo estádio. O
senhor Américo humildemente ia concordando, até perguntar-me qual tinha sido
nossa classificação no campeonato anterior da Primeira Divisão (A2).
Respondendo que não havíamos participado e sim o T. Maia, a casa caiu. Riu
gostosamente, pois pedíamos o impossível. Com mais um pouco de conversa dos
dois deputados, prometeu registrar nossos contratos na semana seguinte,
garantindo vaga para s disputa da Primeira Divisão. Exatamente o que queríamos.
Veio o campeonato, o time
crescendo, dando espetáculos cada vez melhores no Estádio Ademar de Barros,
para público e quadro associativo cada vez maiores. A história todo mundo sabe.
Durante o certame perdemos apenas um jogo em Garça (3x1), jogando com dez
elementos desde o início da partida. O triangular final, com o Rio Claro e o
Catanduva, foi dramático e a 15/12/1973, exatamente no dia do seu primeiro
aniversário, a AEA sagrava-se Campeã Paulista da Primeira Divisão.
O vice-prefeito Dr. Oscar Luís
Gurjão Cotrim tornou-se grande incentivador da rapaziada. Ia ao vesti rio
nos dias de jogos, assistia a todos. At‚ o prefeito Waldir Felizola de Moraes,
que detestava futebol, passou a marcar presença, procurando aparecer junto aos
atletas. Quando ganhamos o campeonato a cidade vibrou, muita gente
prontificou-se em colaborar para a consolidação do clube. O deputado Maluly
Neto descolou verba do governo estadual para a iluminação do estádio. O
processo seguiu o cronograma da Secretaria dos Esportes, a obra tornou-se
realidade e depois dos testes de praxe a inauguração foi marcada para
30/10/1974. Por contrato direto com o presidente Vicente Mateus, acertamos jogo
festivo com o Corinthians: CR$ 60.000,00 mais CR$ 24.000,00 pelo fretamento de
avião especial, mais despesas de hotel e alimentação para a delegação. Os
ingressos foram colocados à venda: CR$ 50,00 as numeradas e CR$ 20,00 as demais
acomodações do estádio. A procura era grande quando o prefeito fez intervenção.
Unilateralmente, sem diálogo, decretou preço único: CR$ 10,00 (dez cruzeiros).
Pelo rádio dizia que o estádio era municipal, que ele tinha o poder de
estabelecer o preço dos ingressos: "Sou o gerente da cidade e meu povo tem
que ver o jogo" . Lembrava uma antiga música de carnaval, que falava do
pedreiro Valdemar, construtor de casas e palacetes onde depois não podia
entrar. Convocou-me à prefeitura, fiz-lhe as projeções demonstrativas de que
sua determinação inviabilizava o evento, pelos custos, além do risco de chover.
Ele manteve-se inflexível: o poder de mando era seu e palavra de prefeito não
voltava atrás. Também não cedi. Na busca de respaldo e segurança, reunimos os
diretores e telefonamos para Vicente Mateus, consultando-o sobre a
possibilidade de cancelamento do jogo, sem multa contratual. Daquele jeito
peculiar, respondeu: "É um favor que me fazem. O técnico Sílvio Pirilo
ficou uma fera com a marcação deste amistoso". Com isso firmamos posição.
Antes de propor ao prefeito o cancelamento, péssimo para o clube e desastroso
para ele, ofereci-lhe a alternativa de fazer o jogo de portões abertos para o
"seu povo", assumindo a prefeitura o contrato com o Corinthians e
pagando CR$ 20.000,00 à AEA. Recusada a oferta, anunciei-lhe então a suspensão
da partida: ele que inaugurasse os refletores quando, como e com quem quisesse.
E fui-me. O assunto ferveu na imprensa. O Waldir, no seu estilo, esbravejou
pelo rádio e eu ouvindo no meu receptor: "Esse moço aqui chegou há
pouco tempo, mal bebeu da água do Baguaçu e quer mandar na cidade. Aqui tem
gerente. Ele que se vá embora".
Fiquei. E, com a diretoria, firme
no propósito assumido. Então o Dr. Cotrim entrou nas negociações, com seu amor
pelo esporte e seu tino diplomático. Ia à prefeitura e vinha ao meu
consultório. Eu radicalizando, mas ansioso para realizar o jogo. Fiz então uma
proposta. Para que a palavra do prefeito prevalecesse, haveria, sim, ingressos
de CR$ 10,00. Deveriam ser construídas duas muretas na arquibancada do lado do
ginásio de esportes, delimitando entre elas metade do espaço central, onde o
espectador pagaria CR$ 30,00 pelo ingresso; nos dois espaços laterais o preço
seria CR$ 10,00. Para manutenção da ordem e prevenção de invasões as muretas
seriam guarnecidas por atiradores do tiro de guerra. Assim o jogo aconteceu, um
belo espetáculo, 2x2 no placar e as muretas ainda hoje lá estão. O lucro
líquido para a AEA correspondeu a cinco folhas mensais de pagamento, apesar de
o prefeito, com quem depois tive convivência pacífica e cordial, e que sempre
respeitei pela honestidade na gestão administrativa, ter dado o seu revide: distribuiu
centenas de ingressos gratuitos.
A expectativa pelo jogo foi demais,
na cidade e região, não só pelo imbróglio, mas pela presença do Corinthians. A
chegada do timão levou muita gente ao aeroporto. Vicente Mateus veio comigo no
Karman Ghia TC azul e chegamos à frente. A delegação veio de ônibus e do
apartamento do presidente observávamos uma multidão cercando o ônibus na frente
do Hotel Chamonix. Os jogadores iam entrando e lá de cima eu assistindo
torcedores subindo e afundando o teto do meu carro novo, para melhor visão de
seus ídolos.
No jogo, Daércio deu um baile em Zé
Maria, titular da seleção brasileira. Vicente Mateus, vendo o jogo comigo,
ficou deslumbrado, quis comprar seu passe antes do fim da partida. Sugeri
conversarmos durante o jantar, na Churrascaria Gaúcha. Lá acertamos o
negócio: CR$ 50.000,00 mais um novo jogo do Corinthians em Araçatuba. Conversei
muito com o folclórico dirigente, pessoa boníssima e de simplicidade cativante.
Perguntei-lhe : - Como o senhor administra o Corinthians? Ele respondeu:
"Simplesmente. Qualquer diretor que fizer gasto maior que CR$ 100,00, sem
meu consentimento, paga a conta". Findo o jantar, Vicente Mateus, então
com 70 anos, quis ir ás mulheres. Uma caravana seguiu para o trevo. Eu
levando-o no Karman Ghia. Entramos numa casa, ele engraçou-se com uma loira de
estatura bem superior à sua. Despedi-me e fui para casa. Imagine um pediatra
casado, em início de carreira, brigando com o prefeito, dando banda na zona com
Vicente Mateus!
*Geraldo da Costa e
Silva é médico, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras
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