terça-feira, 25 de julho de 2017

Do Jardim Nova Iorque aos condomínios


Condomínio de Araçatuba-SP - foto de propaganda do empreendimento

Hélio Consolaro*
Meus avós chegaram a Araçatuba no começo da cidade, o município foi o berço de meus pais e meu também. Minha mãe, com 90 anos atualmente, passa pela praça Rui Barbosa e se lembra do sistema de alto-falante do Dante Conti. E Dona Augusta não se cansa de contar do antigamente. Alguém já disse que a morte de um velho é o mesmo que colocar fogo numa biblioteca.

Vi o Jardim Nova Iorque surgir, cujo slogan da propaganda de loteamento era "valorização absoluta". Os mais ricos construíam do lado direito da avenida Brasília (indo para a rodovia Marechal Rondon) as suas mansões. Assim ficou a fama, a pecha, de que era o bairro dos tubarões. Se quisesse chamar alguém de ricaço, era dizer que era morador do Jardim Nova Iorque. Houve até gente que comia sanduíche de mortadela, mas arrotava peru, para se mudar ao bairro.   
Cartaz do filme

Ter um bairro assim não é privilégio de Araçatuba, porque a mania de grandeza, de ostentação do ser humano, de não querer se misturar, se manifesta em qualquer lugar, na hora de matricular os filhos na escola e até no cemitério. Mas os ventos da pobreza, produzida pela perversidade do próprio sistema econômico, como a areia do deserto não respeita o oásis. 

E os moradores do Jardim Nova Iorque perceberam isso e correm para os condomínios, horizontais e verticais. Temos arranha-céus em Araçatuba com um apartamento por andar. Atualmente, as casas do bairro estão se transformando em sedes de sindicatos e empresas.

Outro dia visitei um condomínio horizontal em Araçatuba de classe média baixa, bem longíquo, com algumas ruas quase intransitáveis de tão estreitas, mas com portal, porteiro, etc. Imitando os grandes condomínios. Uma forma que as construtoras encontraram para explorar a vaidade dos pobres. Hoje, Araçatuba tem escritórios especializados em prestar assessoria para diretorias de condomínios.

Não por acaso, no Brasil, o primeiro condomínio recebeu o nome de um filme, Alphaville (1965), do francês Jean-Luc Godard, filme de ficção-científica, feito em preto e branco por opção.

Temática parecida com o livro de George Orwell em "1984"; do filme "2001: Uma odisseia no espaço", de Stanley Kubrick. O filme "Alphaville" é o  "controle social alegorizado mesclando a selvageria do capitalismo ao dogmatismo comunista".

O filme foi feito numa época de conflito mundial bipolar, falava-se muito de guerra nuclear, Alphaville é o reduto do medo, onde um computador dava proteção total, o Alpha 60, daí Alphaville ser a "cidade de Alpha". As pessoas eram protegidas, mas perdiam os sentimentos, havia um mandante impessoal, tanto é que o maior inimigo da máquina era a poesia. Os versos eram o antídoto.  

Os filósofos brasileiros cunharam uma expressão chamada "a lógica do condomínio" que representa o enredo do filme Alphaville, ou seja, a fuga do desconforto da cidade, o medo da violência, em vez de encarar coletivamente a reconstrução das cidades. Mas nessa tentativa de construir uma ilha perfeita, com proteção pretensamente total,  os moradores se tornam reféns das imperfeições de si mesmos, porque são também humanos.      

Não vou afirmar que nunca morarei num condomínio, porque estou entrando numa fase da vida em que se perde paulatinamente a autonomia de administrar o próprio destino. 

Meus filhos, casados, com família, nunca manifestaram o desejo de morar em condomínio. Deve ser uma questão educacional, por osmose. O meu condomínio é o quarteirão de minha casa, onde convive gente de todos os tipos e todos se relacionam como podem.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.