domingo, 22 de outubro de 2017

A Matuta Nordestina, de Maria José da Silva


 O destino vadio com sua sorte, era filha de pais pobres, além disso, o pai analfabeto, a mãe ler escrever e até falar guarani, língua indígena, mas sabia costurar como ninguém, bordar e também fazer comidas nordestinas.

Também sabia fazer rendas e tecer algodão para fazer roupas grosseiras como as de antigamente, sabia fazer partos, bonecas e bruxas e Judas nos Sábados de Aleluia, como eram os costumes de antigamente.

A matuta nordestina não entendia porque eles se mudavam tanto de lugar de gente diferente, como fazenda no Paraná, Mato Grosso e São Paulo. Oxente! Bem dava para aprender falar do jeito do lugar, mas a matuta prestava atenção nas palavras e nos nomes de cidade ou vilarejos: Guataporanga,  Lourdes, Terra Rica-PR, Adamantina. E de fazenda em fazenda, nos anos 60.

Para a matuta foi um pulo de grandeza de roceira, passou a ser arrumadeira numa mansão e conheceu os desfiles e 7 de Setembro, carnaval de rua e as ruas enfeitadas de dia de Corpo de Christi.

Naquele tempo as domésticas buscavam latão de leite na estação de trem que trazia das fazendas. Vixe! Era um orgulho ir na estação com a bicicleta da filha da patroa. Oxente, como eu já tinha prestígio!

Assim esta senhora de meia idade me recebeu com os braços aberto e colo aconchegante, pois ainda não tinha prédios, a escola Lopes Borges e nem a 600 casas. Não havia tantas UBS, mas ja havia muitos médicos bons e a melhor condução que havia na cidade era o trem.

Portanto, agradeço a você Araçatuba e todos e a todos que contribuíram para sua evolução e sucesso nesses seus 108 anos.


*Maria José da Silva, membro do Grupo Experimental, escritora, pratica a “literatura naif”, com acompanhamento de um outro escritor, como aconteceu com Carolina de Jesus e jornalista Adáulio Dantas.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Os ipês voltaram das férias

Foto de Ângelo Cardoso
Hélio Consolaro*


Araçatuba começou a florir, está roxa, é inverno, são férias escolares, os ipês soltam seus cachos. É momento de aconchego debaixo das cobertas, de as avós receberem seus netos.

Essas árvores, símbolo do Brasil, se parecem com aquelas mocinhas magricelas que de repente se tornam torneadas, com suas curvas sensuais, com suas flores lindas. Ambas enfeitam a cidade.

Não importa que os ipês não sejam como os oitis que dão sombras o ano inteiro ao caminhante, mas não florescem. Aliás, os ipês só dão proteção depois de derrubados, com sua madeira resistente.

Na flora, eles deixam os araçatubenses alegres, românticos, orgulhosos de sua cidade. Enquanto ficam descansando, sem folhas e flores, vivemos de suas fotografias.    

Nesta época, a cidade fica primeiro roxa, depois rosa, em seguida amarela e, por último, branca. Se você caro leitor, ainda não tirou os olhos dos boletos bancários, nem reparou o colorido de nossas ruas, ainda há tempo de fazê-lo, até novembro.

Viaje pela vida, não tenha pressa de chegar, a nossa passagem por este planeta é breve, porque de repente você não saberá contar a seus futuros amigos da outra dimensão como era a sua cidade.

Abençoadas mãos que plantaram os ipês de nossa cidade, desde quem planejou o plantio até quem fez a cova, enfiou a muda e deu a primeira aguada.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras 

terça-feira, 25 de julho de 2017

Do Jardim Nova Iorque aos condomínios


Condomínio de Araçatuba-SP - foto de propaganda do empreendimento

Hélio Consolaro*
Meus avós chegaram a Araçatuba no começo da cidade, o município foi o berço de meus pais e meu também. Minha mãe, com 90 anos atualmente, passa pela praça Rui Barbosa e se lembra do sistema de alto-falante do Dante Conti. E Dona Augusta não se cansa de contar do antigamente. Alguém já disse que a morte de um velho é o mesmo que colocar fogo numa biblioteca.

Vi o Jardim Nova Iorque surgir, cujo slogan da propaganda de loteamento era "valorização absoluta". Os mais ricos construíam do lado direito da avenida Brasília (indo para a rodovia Marechal Rondon) as suas mansões. Assim ficou a fama, a pecha, de que era o bairro dos tubarões. Se quisesse chamar alguém de ricaço, era dizer que era morador do Jardim Nova Iorque. Houve até gente que comia sanduíche de mortadela, mas arrotava peru, para se mudar ao bairro.   
Cartaz do filme

Ter um bairro assim não é privilégio de Araçatuba, porque a mania de grandeza, de ostentação do ser humano, de não querer se misturar, se manifesta em qualquer lugar, na hora de matricular os filhos na escola e até no cemitério. Mas os ventos da pobreza, produzida pela perversidade do próprio sistema econômico, como a areia do deserto não respeita o oásis. 

E os moradores do Jardim Nova Iorque perceberam isso e correm para os condomínios, horizontais e verticais. Temos arranha-céus em Araçatuba com um apartamento por andar. Atualmente, as casas do bairro estão se transformando em sedes de sindicatos e empresas.

Outro dia visitei um condomínio horizontal em Araçatuba de classe média baixa, bem longíquo, com algumas ruas quase intransitáveis de tão estreitas, mas com portal, porteiro, etc. Imitando os grandes condomínios. Uma forma que as construtoras encontraram para explorar a vaidade dos pobres. Hoje, Araçatuba tem escritórios especializados em prestar assessoria para diretorias de condomínios.

Não por acaso, no Brasil, o primeiro condomínio recebeu o nome de um filme, Alphaville (1965), do francês Jean-Luc Godard, filme de ficção-científica, feito em preto e branco por opção.

Temática parecida com o livro de George Orwell em "1984"; do filme "2001: Uma odisseia no espaço", de Stanley Kubrick. O filme "Alphaville" é o  "controle social alegorizado mesclando a selvageria do capitalismo ao dogmatismo comunista".

O filme foi feito numa época de conflito mundial bipolar, falava-se muito de guerra nuclear, Alphaville é o reduto do medo, onde um computador dava proteção total, o Alpha 60, daí Alphaville ser a "cidade de Alpha". As pessoas eram protegidas, mas perdiam os sentimentos, havia um mandante impessoal, tanto é que o maior inimigo da máquina era a poesia. Os versos eram o antídoto.  

Os filósofos brasileiros cunharam uma expressão chamada "a lógica do condomínio" que representa o enredo do filme Alphaville, ou seja, a fuga do desconforto da cidade, o medo da violência, em vez de encarar coletivamente a reconstrução das cidades. Mas nessa tentativa de construir uma ilha perfeita, com proteção pretensamente total,  os moradores se tornam reféns das imperfeições de si mesmos, porque são também humanos.      

Não vou afirmar que nunca morarei num condomínio, porque estou entrando numa fase da vida em que se perde paulatinamente a autonomia de administrar o próprio destino. 

Meus filhos, casados, com família, nunca manifestaram o desejo de morar em condomínio. Deve ser uma questão educacional, por osmose. O meu condomínio é o quarteirão de minha casa, onde convive gente de todos os tipos e todos se relacionam como podem.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.