Se gosto de Araçatuba? Hélio Consolaro

Hélio Consolaro

Toda cidade é construída coletivamente. Se o prefeito de qualquer urbe disser que fez mais que seus antecessores, ele é ignorante. Prefeito e vereadores colaboram com a cidade, às vezes, atrapalham, pois quem constrói mesmo as cidades são os cidadãos. É um pleonasmo, mas precisa ser dito. 

Cada um vê a cidade do lugar que ocupa. O piloto conhece-a de cima, os viajantes rodoviários cantam "As Luzes de Araçatuba", o cavador de valeta e o poceiro a vê do subsolo. Ao fundador, ela ainda é uma criança; ao forasteiro, ela pode ser sua namorada. 

Nasci em Araçatuba, nas beiradas da cidade, na zona rural. Comi jatobá, chupei macaúba e maria-preta, melão-de-são-caetano, cacei rolinha de estilingue, pesquei em lagoas e riachos, transformei mangas verdes em vacas e bezerros, martelei o dedo para fazer meus brinquedos. 

Nunca fui dono de terras. Meus avós, imigrantes italianos, vieram da Mojiana, cada um comprou uma tira de terra, e ficaram nisso. Como a prole era grande, ninguém herdou nada, ficamos todos pobres. 

No êxodo rural, comecei pela periferia. Na década desenvolvimentista de Juscelino Kubistschek, com a porta da ascensão mais aberta, o capital de pobre era o estudo. Minha família acreditou nisso. 

Do bairro rural Cafezópolis pulei para o bairro urbano, Santana. Aos poucos, fui ganhando o centro, moral e intelectualmente, porque economicamente continuo sendo um zé-ninguém. Aventurei-me até entrar na política, mas percebi que não era o meu fraco. 

Se gosto de Araçatuba? Adoro a cidade como filho de uma mãe severa, que tem muitos filhos, mas privilegia alguns na hora do castigo. Na adolescência, veio aquela revolta porque apanhei mais, mas não tem como a maturidade para resolver os problemas. 

A minha história está nas ruas de Araçatuba. Na Rua Aviação, comprava no Empório Aviação, do Seu Maurílio Corazza, fiado, e levava nas costas a compra, andando 5 km a pé, quando voltava dos estudos no Grupo Escolar Francisca de Arruda Fernandes. Na cidade, morei defronte à destruída Capela São Benedito, no Santana, depois meu pai inventou de morar no outro lado da linha, pois era mais nobre. 

Como office-boy, conhecia todas as ruas da cidade, maestria readquirida no exercício da vereança, com o tamanho triplicado. Nesta esquina, caí de bicicleta; naquela, apanhei do fulano; na outra, eu bati no ciclano. 

Comecei a ser funcionário público na extinta Fazenda do Estado. Estudei no antigo I.E., período noturno. Fiz o tiro guerra em 1967, apesar de cego de um "zóio" e manco de uma perna. A ditadura militar não deixava escapar ninguém. 

Até então ainda não era um cidadão, eu pertencia aos subalternos. Sempre dizia amém, achava que a pobreza era destino e com o esforço sobre-humano me tornaria um vencedor. 

Precisei estudar fora para me libertar, não muito longe, em Penápolis. A coisa não era bem assim... 

Depois de sete anos de peregrinação, voltei cidadão. Casado, com a Japa e Menininha a tiracolo. Meninão nasceu aqui. Aí está a prova de meu amor pela cidade. Ou de meu ódio: vou provar para Araçatuba que não sou aquele besta que ela tentou fazer de mim. 

Nada de sim-senhor. Eu sabia qual era o meu espaço social. E aqueles que eu via de baixo para cima, passei a olhá-los de igual para igual. E a testá-los para ver se eram aquilo que eu imaginava sê-los. 

Quando visito uma cidade desconhecida, me encanto, principalmente se sou recebido com festa, pois nada conheço dela, não sei quem é quem, mas tenho certeza de que ela não é diferente de Araçatuba. Para uma cidade ser feia ou bonita, depende por onde a pessoa entrou nela. (2 dezembro de 2004)


Nenhum comentário:

Postar um comentário